Na primeira hora do dia de hoje, quando ainda era ontem, eu tinha desistido. Desligado o computador e aceitado minha derrota, a mesma que eu jurei que não ia deixar chegar – logo na semana passada. Não vai ter texto hoje, pensei, cansada. Acabei de voltar de uma viagem que me fez repensar a vida como um todo, acabei de começar em um trabalho novo, tô cheia de bloqueios e em picos de ansiedade que, na verdade, não são bem picos, estão mais ou menos estabilizados, lá em cima, nas nuvens. Deu cagaço, mas eu tinha desistido.
Aí, enquanto escovava os dentes e engolia a minha ideia apocalíptica de que uma vez sem texto, sem texto pra sempre, eu olhei pro meu companheiro de toda noite, o aparelho pra tratar o bruxismo.
Lembrei, nessa hora, de uma coisa que alguém me disse no começo do semestre, lá no mestrado, quando descobriu o blog. Nossa, Marta, não dá pra imaginar que você é uma pessoa ansiosa, você fala tão tranquila, parece tão calma. Quando eu ouvi isso aquele dia depois da aula, meses atrás, eu ri. Nada mal educado, não. Eu só tenho dois tipos de risada. A que usei aquele dia foi uma que diz, com transparência: tô rindo, mas na verdade tô bem nervosa. Meu outro tipo de risada é Candace Payne.
Terminei de escovar os dentes, tomei minhas vitaminas e coloquei o aparelho pensando que, na verdade, ninguém tem a menor ideia do que acontece ao seu redor. Não é bem um aparelho – eu só digo que é porque quando era criança meu sonho era usar óculos e aparelho nos dentes. A verdade é que é tipo uma placa pra evitar que meus dentes desgastem durante o inevitável e involuntário apertar de maxilar de toda noite. Está, a coitada da placa, gasta, quase furada.
Eu tinha desistido, mesmo. Mas, depois de escovar os dentes e colocar a placa, não fui dormir. Voltei pra sala e abri um caderno que comprei na viagem, específico para pessoas ansiosas. Comecei a escrever sobre meus próprios picos. Esse caderno, cheio de frases sobre ansiedade, caos mental e essas coisas – frases engraçadas, sérias, reflexivas – tem um campo específico que diz “nível de estresse do dia” e mostra quatro figuras: uma chaleira, uma labareda, uma bomba por explodir e uma explosão. Todos exemplos de coisas que acontecem pra fora.
Comecei a pensar – escrevendo, uma das formas de tentar organizar meus pensamentos – que a minha ansiedade acontece pra dentro. Eu ranjo meus dentes, machuco os cantos das unhas, aperto meus dedos uns contra os outros até quase amortecer, contraio os ombros, tenho dores no pescoço e nas costas porque me encurvo. Retraio. E, aí, começo a pensar porque estou aqui, falando, escrevendo, expondo, existindo. Afinal, eu já não tinha desistido?
Um tempo depois de toda a reflexão de escovar os dentes, fui dormir. Acordei pronta pra não escrever nada e ver no que dava. Eu tinha desistido e tudo bem. Pensei que, no fim das contas, não é como se eu não tivesse escrito nada hoje. Meu texto de todo fim de mês lá no She Said Yes, que era pra ter saído ontem, só saiu hoje, então tudo certo, né? Só precisa ter textão, não precisa ser aqui. Tá tudo bem.
Talvez na próxima semana – que na verdade é mês que vem – eu já esteja mais preparada pra organizar minhas ideias numa caixinha que não seja a de pura ansiedade.
Só que cá estamos nós. Tinha alguma coisa faltando no meu dia.
E era só isso.
❤️
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…não desista, você escreve tão bonito, tão claro, verdadeiro, inteligente e eu me orgulho tanto dos teus textos. Obrigada por me ensinar tanto !!!
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Não desista, leio todos os teus textos e adoro!!!!!bjs
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Incrível como não estamos sozinhos neste mundo…eu mesma já ouvi inúmeras vezes esta mesma frase que mencionaste: “Puxa, você ansiosa? Nem parece, fala tão calma…” É meio reconfortante saber que não somos o último dos moicanos. Obrigada por não desistir!
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né? é por isso que é importante colocar pra fora! =)
obrigada!
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