Acho que há algo de maravilhoso – até um pouco mágico, talvez – em pessoas que não são ansiosas, sabe?
Esses dias, uma amiga me perguntou o que era exatamente a ansiedade. Foi uma pergunta genuína, direta, não tinha nenhuma outra mensagem na dúvida. Ela realmente queria saber. E foi assim, enquanto a gente fazia outras coisas absolutamente aleatórias. Etiquetava um pacote pros correios, colava figurinhas no álbum da copa – quem será que fazia o quê, né?
“Mas como é?”
Travei. Acho que essa é a marca d’água da minha ansiedade.
Quero dizer tanta coisa ao mesmo tempo que, no fim, não digo nada que faça sentido. E fico com aquilo na minha cabeça – a pergunta passa por tudo como um rolo compressor e fica lá, no Mundo das Ideias. Etiquetas, figurinhas, nada segura, nenhuma cola funciona. A única coisa que consigo pensar com certeza é que estou passando por mais um daqueles momentos.
Chuck Palahniuk – um dos meus escritores favoritos – já descreveu com perfeição a imagem que aparece na minha cabeça quando esses “um daqueles momentos” acontecem.
Na França, usa-se uma expressão chamada “Espírito da Escadaria”. Em francês: Esprit d’Escalier. Indica aqueles momentos em que a gente encontra a reposta, mas já é tarde demais. Por exemplo: digamos que você esteja numa festa e seja insultado por alguém. Você precisa responder algo. Sob pressão dos olhares de todos, você diz uma bobagem qualquer. Mas assim que sai da festa…
Assim que você começa a descer a escadaria, acontece… uma mágica. Você pensa na resposta perfeita que deveria ter dado. Aquela estocada perfeitamente mortífera.
Esse é o Espírito da Escadaria.
O problema é que nem os franceses têm uma expressão para as coisas idiotas que a gente realmente responde sob pressão. Aquelas coisas idiotas e desesperadas que a gente pensa ou faz na realidade.
(Tripas, um conto por Santo Estripado. Assombro. Chuck Palahniuk)
Eu deveria saber explicar, penso comigo, enquanto lembro exatamente da página do livro em que tá a explicação do Espírito da Escadaria, mas não consigo pensar em nada pra dizer que possa responder a uma pergunta objetiva.
Eu deveria, pelo menos, conseguir exemplificar. É só lembrar, por exemplo, do texto <insira aqui qualquer texto desse blog que fale sobre as situações de ansiedade aplicada que já vivenciei> e falar disso.
Mas não vem nada. Só branco.
A resposta vem depois. Bem depois. Já devo ter descido umas cinquenta escadarias quando ela aparece.
Pra essa pergunta – feita há semanas – a resposta acabou de vir.
Minha moto tem uma função chamada Idiling Stop. É um sistema que desliga o motor quando a moto para por mais de três segundos e faz com que ela volte a funcionar assim que você acelera. Foi um diferencial quando o vendedor me apresentou a moto que eu escolhi.
Você pode determinar se quer usar essa funcionalidade ou não acionando um botão no guidão da moto. Uma luz verde no painel indica que o sistema tá funcionando. Quando o motor para, depois de três segundos sem qualquer movimento da moto, essa luz verde pisca, indicando que tá tudo certo.
O seu sistema tá funcionando perfeitamente. Você tá poupando combustível. Tá tudo sob controle.
Racionalmente, minha mente tem plena consciência de tudo isso. De como é vantajoso utilizar o Idiling, de como eu fiz certo ao escolher uma moto com essa função e de que, assim que eu girar o guidão direito, a luz verde vai parar de piscar, o motor vai ligar e a moto vai arrancar.
Mas aí, na vida real, quando eu paro no sinal e a luz verde pisca, naquele microssegundo que eu levo pra ter toda a reflexão do parágrafo aí de cima e o motor para de verdade, eu tenho certeza absoluta que a moto nunca mais vai funcionar e eu vou ficar presa pra sempre naquele pedaço de asfalto.
E aí eu não uso.
…você é tão especial, que a gente perdoa tua ansiedade e agradece 🙏muito por estar sempre por perto ❤️❤️❤️
CurtirCurtido por 1 pessoa
OMG!!!
Mas achei que vc usava esse negócio… pq sempre acho que a moto morre no sinal rssssss
CurtirCurtido por 1 pessoa
Hahahahaha, eu usava né? Mas pra que ter mais uma fonte de ansiedade na vida? Parei.
CurtirCurtir
Hahahahahaha
Faz tanto sentido essa parábola!
Sempre penso na fila do caixa: tu espera lá, todas as pessoas irem, muitas vezes até julga os desligados, gostaria de organizar melhor o sistema, problematiza a situação. É um momento de tensão, em que se conta o número de pessoas e minutos. Daí chega a tua vez e todos os sistemas estão em alerta, os olhos passam por todos os caixas, tu sabe a ordem deles de cabeça, tu tenta deduzir qual irá te chamar primeiro.
Até que tu escuta: ‘Próximo’ e não sabe mais o que fazer!
CurtirCurtido por 1 pessoa
E aí fica aquele seu sempre pertinente questionamento: será que somos todos ansiosos?
Sdds reflexões da bici!
❤️
CurtirCurtir
Perfeito! Sabes que cheguei até aqui pela tag Ansiosa, né? Ñ sabendo eu me explicar decidi ver se alguém já havia se adiantado…
CurtirCurtido por 1 pessoa
Poxa, taí algo que não se lê todo dia! Muito obrigada! Espero que eu consiga te explicar (porque a mim, essa explicação ainda to na procura!)
❤️
CurtirCurtido por 1 pessoa